A campanha eleitoral das
candidaturas principais é uma média aritmética em torno de um senso comum
despolitizado, que deseja um "progressismo pasteurizado" ou, o que dá
no mesmo (copo meio cheio ou meio vazio), um "conservadorismo light".
A regra é recuar à direita num primeiro, para não correr o risco de soar
"radical", e esboçar movimentos à esquerda no instante seguinte (ou
vice-versa), para não ser associado ao obscurantismo
Marina, Dilma e Aécio têm feito
estes dois movimentos, variando a quantidade conforme a conveniência para cada
candidato. A base social conservadora de Aécio lhe permite menos margem de
manobra, mas ele não pode soar ultrarreacionário - daí defender agora o
casamento gay e a criminalização da homofobia (a vexatória decadência do Pastor
Everaldo prova que não há espaço para a extrema direita nestas eleições); a
base social de Dilma, por sua vez, permite mais margem de manobra, até porque a
esquerda governista está disposta a engolir alegremente qualquer atrocidade
vinda por parte do governo; porém, a população quer mudanças, quer uma guinada,
nem que seja simbólica (como eleger uma figura ainda não testada), e isto o PT
não pode oferecer: não falo aqui do programa da esquerda, há muito abandonado
por esta organização, mas o simples fato de ser partido da situação pesa contra
ele numa conjuntura em que os ecos de junho de 2013 ainda se fazem ouvir, mesmo
que mais fracos. E não bastará que Dilma anuncie que mudará a equipe de
governo, caso eleita (tirar Mantega etc.).
Pois bem: neste jogo de
oportunismo, os candidatos vão se assemelhando, se aproximando, vão forjando um denominador comum. Quem poderá embolsá-lo? Marina leva vantagem porque não carrega o desgaste acumulado pelos
partidos tradicionais e porque conseguiu vender a ideia de que está no limbo.
Em parte, isto é verdade: se ela vencer mesmo as eleições, o que teremos mesmo,
além de um governo politicamente frágil, é uma síntese: em suas idas e vindas,
ela funde os lamentáveis giros à direita do PT (incapaz de reconhecer nos
recuos de Marina a história dos seus próprios recuos) e os fraudulentos
discursos "progressistas" do PSDB, aparentemente mais
"tolerante" nos "costumes".
É precisamente por isto que o
perfil "marinista" arranca votos historicamente ligados ao PT e ao
PSDB, o que causa um nó na cabeça dos petistas - e somente na cabeça dos
petistas, penso eu, pois os tucanos já devem ter se percebido (muito
tardiamente) o que ocorreu. Em sua mediocridade política, o tucanato tem vivido
essencialmente do rancor antipetista pela direita, um rancor que se explica por
um problema de “não aceitação”. Assim como a Igreja Católica e os católicos da
época medieval nunca aceitaram os cristãos novos (judeus convertidos à força ao
cristianismo), por mais que estes fizessem as mais profundas juras de amor ao
novo credo, o velho conservadorismo brasileiro (que abrange setores das três classes
fundamentais da sociedade) nunca reconheceu plenamente o PT, por mais que tal
partido tenha se dedicado com todas as suas forças na infame tarefa de servir
ao capital. Ao PSDB, portanto, bastava opor-se ao petismo para se manter. Com
Marina, esta vida fácil acabou, sobretudo quando a nova candidatura se mostra
mais promissora na missão de desbancar a sucessora de Lula.
Por outro lado, o PT pagava ao
PSDB na mesma moeda: seu grande trunfo perante a classe trabalhadora, sua
suprema virtude, desde a decepção com a expectativa de mudanças profundas, foi
o fato de não ser o PSDB. Ou seja, também o petismo alimentou-se do
antitucanismo de setores de massas, cuja justificação está nos anos sofríveis
de neoliberalismo clássico, old school(hoje temos um neoliberalismo reinventado), de FHC. Vemos agora que também já
não basta não ser tucano para dar conta da nova situação política do país.
Em se confirmando a vitória de
Marina, quem sairia mais prejudicado? Do ponto de vista eleitoral (a única
coisa que importa aos grandes partidos), penso que o PSDB fica em situação
pior. Ao que tudo indica, perderá o governo de Minas Gerais, só lhe restando
São Paulo, seu bunker histórico. O pífio Aécio só pode ser substituído por
Alckmin, a menos que ocorra um milagre e uma figura convincente brote do nada
no partido tucano. Mas Alckmin só é forte em São Paulo, e se concorrer mesmo à
presidência em 2018, vai se bater com Lula, que já o derrotou. E Lula é
favorito porque, apesar do desgaste do PT, o possível fiasco de Dilma só
demonstra que o lulismo é maior que o petismo. E se o lulismo é maior que o
petismo, então todo o discurso governista em torno da “acumulação de forças”,
da “disputa de hegemonia”, da “batalha pela consciência” etc., enfim, toda esta
cantilena se mostra infundada. O esforço de décadas para se construir o PT, do
ponto de vista político, só serviu para plasmar uma liderança carismática, cujo
poder de transferir votos começa a se mostrar finito. Ou seja: “a montanha
pariu um rato”. As capitulações dos seguidos governos petistas e a degeneração
do partido sequer conseguiram garantir uma estabilidade eleitoral. E quando os
votos significam tudo, como significam para os incorrigíveis reformistas e
pseudorreformistas, isto não é pouca coisa.
Para quem perceber o ocorrido, a
desmoralização será grande. Mas ao petismo mais empedernido, isto é indiferente,
pois a eleição de Lula em 2018 apagará qualquer esboço, por parte dos
governistas atuais, de repensar o que foi o PT. Olhando em perspectiva, verão
como positivo o “intermezzo” Marina, como um intervalo no qual o petismo teria
a chance de se revigorar, de ganhar novo fôlego e de reanimar sua imagem.
Elegendo-se em 2018, Lula deve reeleger-se em 2022, salvo “acidentes de
percurso”: uma nova Marina? Pouco provável. Uma crise econômica? Mais provável
(até mesmo para o insuspeito André Singer), embora incerto. Se tudo correr bem
para o PT, talvez o lulismo consiga forjar até uma nova Dilma. “A história se
repete...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário