Segue minha resposta a um comentário feito sobre meu texto anterior ("Direito, Estado e terror no caso do Pinheirinho"). Coloco-a como um texto à parte em virtude dos limites de caracteres para comentários.
Aproveito para, antecipadamente, justificar o "ardor" da resposta: se a vida, como se sabe, "não se defende só com palavras", decerto que palavras mornas em nada podem agregar à defesa da vida. Se neste instante uso apenas de palavras para defender a vida, o mínimo que posso fazer é entregar-me de corpo e alma à tarefa, é dotar cada dizer com a justa indignação da sempre justa perspectiva do oprimido. É, enfim, fazer de um texto um instrumento de suas demandas mais sentidas. Um instrumento humilde e limitado, mas sincero e intenso nos seus propósitos. Esta frente de batalha é quase insignificante, bem sei. Mas como luto em nome de nossa classe trabalhadora, só posso fazê-lo apaixonadamente. Eis, enfim, a resposta:
"Não se exagerou na dose, sequer houve quem corresse risco de morte". Essa é a versão da PM, do governo do Estado e de seu departamento de imprensa, também conhecido como Rede Globo. A versão dos moradores é outra. Se a Globo não a noticiou, é prudente que se busque meios de mídia alternativos. sobretudo para quem se diz tão preocupado com a situação dos ocupantes.
Veja-se, por exemplo, este vídeo, "esquecido" pela tão séria emissora: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,pm-ira-apurar-agressao-a-morador-do-pinheirinho,pm-ira-apurar-agressao-a-morador-do-pinheirinho-em-sao-jose-dos-campos,826804,0.htm
É de se perguntar que tipo de resistência aquele homem negro ofereceu para dar ensejo ao espancamento que sofreu. Ele sequer vestia sua armadura de "Robocop da rua 25 de março", para usar a expressão de mau gosto deste meu interlocutor, que não hesita em fazer troça com a luta do povo.
Que pensar desta situação? Conto do vigário? Claro. Tudo o que depõe contra o comportamento da PM e do governo estadual só pode ser uma farsa. Aquele homem espancado e aqueles policiais covardes, então, só podem ser atores pagos pela oposição ao tucanato, igualmente responsável pela "composição de fotos" que desmente a delicadeza e civilidade da operação...
Aliás, podemos ir mais além. É uma pena que os cidadãos deste estado e deste país ainda não tenham se dado conta do paraíso em que vivem. Que o(a) leitor(a) sensível à causa dos deserdados do capitalismo possa encontrar um bálsamo na brilhante tese da "intriga da oposição". Da próxima vez que se deparar com uma pessoa prostrada no chão, rosto abatido, roupas em trapos e olhar de desesperança, não se preocupe. Não passa de um embuste. Trata-se apenas de um farsante representando um papel a soldo dos adversários do PSDB, engajando-se na torpe tentativa de criar a sensação de que as coisas não vão bem...
Não, meu caro interlocutor, não é a versão do governo que me interessa. O que me interessa é a perspectiva do oprimido, é a verdade do esmagado. A verdade de quem oprime é a verdade do tacão de ferro. Ela não argumenta, não convence, somente impõe. O choro de quem viu suas casas destruídas por trator e de quem carrega um ente querido nos braços, ao contrário, não impõe nada. Ele convida à solidariedade de classe, e foi esta a escolha que eu fiz. Sou, pois, confesso quanto à acusação de escolher um lado no conflito, expondo-me ao que se chamou de leitura "tendenciosa".
Mas há que se refletir: acusar meu relato de tendencioso é ignorar que não sou indiferente ao que está acontecendo. Meu compromisso é com a classe trabalhadora, e não com seus algozes. Não que, em virtude disto, eu tenha distorcido fatos. Descrevi o que testemunhei e o que outras pessoas me testemunharam, assumindo o risco, é claro, de apresentar fatos não vistos por mim diretamente.
Todavia, acreditar piamente na versão oficial da PM, do governo e da mídia só pode conduzir a posições dignas de escárnio. Observe-se o que nos diz o major da Polícia sobre as condutas de sua instituição: http://www.youtube.com/watch?v=gEcF14xvn_Q&feature=share
É possível mesmo acreditar no cenário idílico apresentado pela Polícia? Acaso a violência policial neste país e, em particular, neste estado, não passa de uma lenda? Ora, não sejamos ridículos. Até o mais encastelado dos filhos da burguesia pode obter informações além dos muros de seu condomínio-fortaleza pela internet. As ilhas paradisíacas que flutuam sobre um oceano de pobreza não são de todo incomunicáveis. Dizer que as coisas vão bem só pode ser má-fé.
Quanto à resistência dos moradores, episódio retratado por meu crítico com um toque muito singular de farisaísmo, só posso dizer-lhe o seguinte: imagine-se na iminência de perder o teto sob o qual tem vivido e sem qualquer horizonte de moradia alternativa. Imagine-se, em poucas palavras, visitado pela fada da miséria. Numa situação-limite como esta, talvez o mais ardoroso defensor de uma sociedade desumana como a nossa se visse compelido, no apogeu de seu desespero, a se armar em defesa de sua sobrevivência e de seus familiares. Quem não puder ao menos se colocar no lugar daquela gente, furtando-se a um exercício mínimo de alteridade, não está em condições de entender o que está em jogo. Pessoas assim, embrutecidas por preconceito de classe e por desprezo pelos desvalidos, nada têm a contribuir para a solução dos problemas, e o melhor que poderiam fazer é poupar a humanidade de seus queixumes melindrosos e arrogantes. Que guardem suas opiniões reacionárias para seus círculos particulares de mesquinharia e obscurantismo.
Condenar a "milícia" dos moradores é como condenar as fileiras do Quilombo de Palmares ou os exércitos de Canudos. É dizer que o oprimido está no mundo apenas para ser espezinhado pelos poderosos, e que resistir aos crimes que lhe são praticados é o maior dos crimes. Não lhe é dado sequer o direito à legítima defesa. Estender o pescoço ao carrasco é a única atitude que se reconhece como legítima.
No entanto, estender o pescoço ao carrasco é um fenômeno que simplesmente não existe na história das classes sociais. Houve mártires, na história, que preferiram sucumbir sem se valer do recurso da defesa. Entretanto, o que acontece com indivíduos isolados não necessariamente acontece com as coletividades, sendo que o oposto é que é verdadeiro. Esperar que coletividades inteiras assistam inertes à sua destruição, para além de sadismo e de regozijo com a primazia absoluta do opressor, revela um total desconhecimento acerca da dinâmica das sociedades divididas em classes.
Já no que diz respeito aos credores da massa falida, somente o erário público figura como tal. Aliás, vale lembrar que a empresa de Nahas nunca pagou IPTU do imóvel, e por isso deveria incidir presunção absoluta de abandono. Mas se a juíza Márcia Loureiro não observa sequer as regras de direito processual, que dirá as de direito material. E convenhamos: o erário público deve estar a serviço da população, e não do "Estado".
Por fim, é preciso comentar o meu suposto "vigarismo ideológico do progressismo politicamente correto", cujos representantes "não se indignaram nem por um segundo, por anos, com as condições degradantes dos moradores do acampamento Pinheirinho, e agora pretende (sic) criar polêmica por puro e simples apetite político".
A tragédia do Pinheirinho tem responsáveis, não se caracterizando como um evento aleatório. Há muitos responsáveis, inclusive quando se considera que a omissão também concorre para um resultado danoso. O PT e o governo federal, assim, também são dignos do seu quinhão. No entanto, a desapropriação do terreno, realizada pelo descumprimento de um acordo e de uma decisão do TRF, só pode ser explicada pela vontade política que determina, em última instância, as ações da PM. Eis porque o governo estadual, com o PSDB à frente, é o maior responsável. Cito, a propósito, a opinião de um jornalista sobre o assunto: http://www.youtube.com/watch?v=mghmTSVEyrM&feature=youtube_gdata_player
E quanto ao longevo esquecimento das condições degradantes dos moradores, posso dizer com tranquilamente que nunca me alinhei aos partidos sobre os quais recai a omissão (PSDB nas instâncias municipal e estadual e PT na instância federal). Estou ao lado daqueles que sempre estiveram apoiando aquelas famílias e que, neste exato momento, engajam-se em campanhas de solidariedade por todo o país. Diferentemente do filisteu que, por mera retórica, invoca as necessidades dos moradores e, ao mesmo tempo, derrete-se em cantos panegíricos em favor de uma política de governo que, primeiro, despeja 9 mil pessoas, e só depois começa a pensar no que fazer com elas.
Espero sinceramente que este bajulador da PM e do tucanato se dê ao trabalho de visitar os lugares onde as pessoas foram amontoadas, bem como os escombros daquilo que, um dia, foi o lar daquela gente sofrida (http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=w6a0Vl4e5bU). E que se ocupe de ajudar as vítimas de alguma forma. Mas que me entenda bem: quando digo "vítimas", refiro-me a 9 mil flagelados. Ninguém vai passar com um trator por cima da casa do Alckmin.
Legal, entendi sua perspectiva. E só por isto, é tendenciosa. Vivao o PSTU pra você!
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