quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Esquerda e direita para Emir Sader

Nunca fui de acompanhar o blog do Emir Sader. Sempre tomei contato com seus textos quando os recebia por e-mail, e isto por estar cadastrado em alguns e-groups nos quais se realizam debates que interessam ao público de esquerda. Devo dizer que nunca fui simpatizante das ideias deste intelectual, sobretudo por suas posições políticas demasiadamente entusiastas com relação ao governo do PT. Não obstante, eu o respeitava como um intelectual sério, sobretudo por ele fazer parte de um restrito universo de pessoas que, em tempos de obscurantismo neoliberal, se atrevem a dialogar com a herética teoria marxista.
No entanto, depois da última publicação de Emir Sader, não consigo mais enxergá-lo como um reformista honesto. Refiro-me ao texto "Corvos e urubus", que se encontra disponível no seguinte endereço: http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=764.
É compreensível que uma pessoa de esquerda nutra esperanças no governo Dilma. Não partilho delas de modo algum, mas entendo o justo horror ao tucanato, aos democratas e aos demais setores conservadores e reacionários. Deste horror, aliás, eu partilho. Mas mesmo que se entenda que o PT representa uma alternativa real aos velhos e carcomidos setores da direita (ponto de vista do qual discordo, e pretendo apresentar algumas razões para tanto), nem assim se justifica uma postura de amor incondicional em face do governo. 
Causa espanto que um marxista, como é o caso de Emir Sader (que continua a se definir assim, salvo engano meu), idolatre um governo. Note-se que falo em idolatria não só porque este autor idealiza a gestão atual e a anterior, mas também porque as defende com um fanatismo capaz de produzir simplificações teóricas grosseiras e de justificar posições políticas as mais oportunistas. E mais: este método é utilizado ainda para hipostasiar outros governos latinoamericanos da atualidade.
Passemos ao texto que me motivou a escrever a presente crítica. Sader começa se referindo a uma "gente que se diz de esquerda" que viveria de criticar a outra parte da gente de esquerda. O primeiro tipo de gente de esquerda, segundo nosso autor, seria um punhado de sádicos, ciosos por derrotas da classe trabalhadora, e mesmo maníacos por elas, enxergando-as em toda parte. Seria, ainda, uma confraria de pessimistas incorrigíveis, arautos do retrocesso social. Sua atividade, para além de semear más notícias, resumir-se-ia em apontar traições da esquerda, poupando-se a direita das devidas denúncias.
Para Sader, tudo caminha muito bem. Quem se insurgir contra os rumos em curso parece mais um lunático, tamanho o disparate. Nosso autor poderia fazer como José Serra, que citou os partidos que denunciavam o capitalismo enquanto causa última das mazelas sociais como "paranóicos".
Examinemos brevemente a realidade brasileira, idilicamente retratada por Sader como a expressão de uma torrente de formidável progresso, ou como o porto seguro dos trabalhadores contra a "direita". Acaso os trabalhadores podem confiar seus interesses e necessidades ao governo, buscando abrigo das maldades do tucanato? Se considerarmos a linha do governo petista para as lutas encampadas pelos carteiros e pelos bancários, parece-me que não. Uma vez que a diretiva adotada foi a de intransigência total, no sentido de corte de pontos dos grevistas e negação categórica das reivindicações (que se chocam contra as metas de "austeridade" da política econômica adotada), fica difícil colocar Dilma e sua equipe como aliados dos trabalhadores. Seria possível citar uma infinidade de casos de "traição" (a palavra maldita que tanto incomoda Sader), como o veto ao kit anti-homofobia, o salário mínimo infamante, o modelo privatista de gestão dos aeroportos etc. No entanto, não quero parecer "rancoroso" (já que pertenço, suponho, ao "segundo tipo de gente de esquerda"), remoendo coisas do "passado", até porque a atual conjuntura nos fornece elementos de análise suficentes.
De acordo com Sader, o pecado original da esquerda ranzinza e rancorosa é estar distanciada das lutas de massas, restringindo-se somente à luta ideológica no apertado universo da esquerda. Esta crítica revela-se imediatamente anedótica quando se percebe que as lutas de massa, nas quais as organizações políticas mais radicais se fazem presentes e aportam para o seu desenvolvimento, realizam-se precisamente contra a linha adotada pelo governo que este intelectual adora de modo tão ardoroso. E o mesmo vale para as campanhas dos petroleiros, dos metalúrgicos e do funcionalismo federal: todos estes setores esbarram nas metas de inflação e de contenção de gastos que o governo estipulou para bem servir à "economia" (leia-se: aos capitalistas).
Nosso teórico não leva nada disto em conta. O grande problema seria esta esquerda que não quer avançar, e que só pensa em dividir. É de se imaginar, assim, que os trabalhadores deveriam ter apoiado em bloco a reforma da previdência imposta por Lula e encomendada pelo capital financeiro, por exemplo. Romper com a linha capitulacionista da CUT deve ter sido puro divisionismo, pois seria, então, muito melhor que todos aplaudissem juntos o desmonte da seguridade social. Infelizmente, Sader prefere não enxergar que foi da ruptura com o governismo, impulsionada pelos revolucionários, que surgiu a Conlutas, o instrumento de luta sindical mais combativo do país. Uma central pequena e jovem, reconheço. Mas quando os operários da construção civil se insurgiram contra a precarização do trabalho de que eram vítimas, quando se puseram em combate contra as empreiteiras beneficiadas pelo PAC, as mesmas empresas que doaram milhões à candidatura do PT, foi na Conlutas que eles encontraram o ponto de apoio necessário para o enfrentamento. Mas o que isto importa para Emir Sader? Será que a participação dos revolucionários nos levantes de Jirau seria mera luta ideológica? Será que a esquerda não avançou quando os trabalhadores incendiaram os canteiros de obras no auge de sua radicalidade?
O que se vê no texto de Sader não é um exame da luta de classes no Brasil e na América Latina, e sim uma seleção de pontos que, em tese, seriam favoráveis aos governos. Quando comenta sobre a política externa "soberana" do Brasil, convenientemente não menciona a nefasta ocupação militar do Haiti e os empréstimos de Lula ao FMI, ambas medidas claramente pró-imperialismo. Quanto aos outros governos latinoamericanos, insinua-se que os avanços verificados são produto da benevolência dos governantes. É como se líderes benfazejos derramassem sua graça sobre o povo, que seria presenteado com sua generosidade. Nada mais tolo. A prova cabal de que as melhorias sociais obtidas em países como Bolívia e Venezuela deve-se à mobilização das massas e não aos governos em si está no fato de que, na atual conjuntura, as lutas populares para novas conquistas (ou para evitar retrocessos) opera-se contra as políticas governamentais, e não a partir delas. É estranho que o "marxista" Sader pense as mudanças sociais nos termos das ações dos govenantes e não no interior de uma luta de classes e de um processo econômico global.
E quando se chega ao cerne da questão (o conflito entre o governo e os trabalhadores), Sader novamente nos obriga a duvidar de seu marxismo. Veja-se esta passagem, referente aos enfrentamentos entre a polícia e a população na Bolívia:

"Numa situação de crise como a da Bolívia atualmente, tudo o que podemos desejar é que se chegue a um acordo político entre o governo e setores do movimento indígena que estão em enfrentamento aberto. Nem o governo é de direita, nem os movimentos indígenas fazem o jogo da direita. É nesse marco que devemos almejar que sejam enfrentados os conflitos".

Como marxista e revolucionário (perdoem-me a redundância, que utilizo apenas para ser enfático), não posso concordar. Tudo o que se pode esperar é que o governo repressor se entenda com o povo reprimido? Acho que se pode (e se deve) esperar um pouco mais. É preciso almejar um governo dos trabalhadores, que sirva para promover seus interesses de classe, e não para lhes esmagar com o peso da violência policial.
Diz Sader que nem o governo é de direita e que nem os movimentos indígenas fazem o jogo da direita (por pouco o autor se salvou da infâmia absoluta). Tudo seria um terrível mal-entendido, um lamentável conflito fratricida entre a esquerda, em que nenhuma das partes poderia ser maculada com a pecha de direitismo. Um observador marxista poderia observar o quadro de um levante popular suprimido pela força bruta do Estado e enxergar nele o fenômeno da luta de classes, em que um dado setor do povo se enfrenta com aparelhos repressivos cuja razão de ser é a manutenção do status quo e, em última instância, das relações de produção que regem uma sociedade dividida em classes de interesses estruturalmente inconciliáveis. Quanta ingenuidade! Perspicaz mesmo é Emir Sader, que só faria uma denúncia real do fato se o presidente em exercício não lhe despertasse simpatia. É como se o fenômeno político da repressão não dissesse nada sobre a natureza de classe do Estado e do governo que o administra, como tudo se resumisse a uma inocente rusga entre irmãos...
A fundamentação de Sader para seu posicionamento encontra-se no parágrafo anterior:

"Os conflitos na esquerda, no campo popular, tem que ser discutidos e tratados como conflitos entre tendências de esquerda, mais moderadas ou mais radicais, sem desqualificações que caracterizem os outros como fora do campo da esquerda. Esta atitude é o primeiro passo que leva a assimilar outras tendências da esquerda à direita e assumir equidistância em relação a elas".

Que emocionante lamentação! Quase verti lágrimas quando me deparei com o "ressentimento" desta parte da esquerda que seria maldosamente excluída do campo geral da esquerda pelos setores denuncistas, derrotistas, divisionistas etc. Que os esquerdistas "moderados" possam perdoar os "radicais" por seus excessos, por suas impiedosas "desqualificações"!
Suponhamos que Sader tenha razão. Quem seria a esquerda moderada? O PT e o PC do B, é claro. E por que moderados? Porque defendem um capitalismo humanizado, uma economia de mercado com distribuição de renda ou qualquer outro eufemismo que se possa imaginar. Mas nem tudo é fácil nesta vida. Não se pode sublimar as "dificuldades" do caminho, de sorte que os avanços se realizam em meio a "contradições". O Bolsa Família caminha lado ao lado com o "Bolsa Banqueiro" do rentismo financeiro; a inclusão no ensino superior efetiva-se mediante o socorro aos tubarões do ensino criados por FHC; o incentivo à indústria convive com os recordes de acidentes de trabalho e com a drástica expansão de uma doença chamada terceirização; e assim por diante.
O que se vê, ao fim e ao cabo, é a implementação do programa do Consenso de Washington, que normalmente é concebido como um mero receituário econômico. Ledo engano. O Banco Mundial e o FMI apresentam diretivas de políticas sociais para os países, diretivas que se inspiram numa lógica oposta à do bem-estar social (cuja insuficiência não será objeto de crítica aqui): "foquismo" nos benefícos ao invés de universalismo, pequenas doses de auxílio monetário ao invés de serviços públicos de qualidade e gastos mínimos com a área social. As gestões do PT foram seguidoras exemplares desta doutrina reacionária, o que não impede Emir Sader de louvá-las como os antigos louvavam a imagem de um bezerro de ouro.
O capital tem muito que agradecer por tantos serviços prestados ao longo de um vibrante período econômico. Sua gratidão, inclusive, já se manifestou nas cifras milionárias que financiaram as campanhas eleitorais do PT, verdadeiros investimentos com retorno em curtíssimo prazo. O trabalho, por sua vez, ficou com uma parte menos generosa do alardeado crescimento da economia brasileira: endividamento, doenças ocupacionais e arroucho salarial para os servidores e para inúmeras categorias de trabalhadores. Um pequeno preço a se pagar em troca de um nível de consumo maior, dirão os empresários.
Se perguntarmos a Emir Sader o que ele tem a dizer sobre isso, e se supusermos que ele não negará a realidade da classe trabalhadora, teremos como resposta que a vida é assim, que os benfeitores do governo ainda não conseguiram resolver todos os problemas do povo. Falta paciência aos radicais. Um dia, perceberão as vantagens da moderação, esta inefável virtude que inspira equilíbrio e temperança! E se forem obstusos o bastante para percebê-las, que ao menos possam respeitar essa esquerda moderada.
Ora, este debate exige que compreendamos o que vem a ser este bloco chamado de esquerda. Sader anatematizou os revolucionários por excluírem deste bloco os gestores da exploração capitalista no Brasil. Esquerda, para Sader, é um campo vasto, um latifúndio (como aqueles utilizados pelo agrobusiness, sócio inseparável do PT e do PC do B). Nele cabem desde ex-guerrilheiros transformados em milionários emergentes até os mais relutantes adeptos do bolchevismo (como é o meu caso, felizmente). Que imensidão! Aliás, trata-se de um verdadeiro "coração de mãe" (perdoem-me o recurso a esta expressão impregnada de um machismo sutil), em que sempre cabe mais um. Gilberto Kassab, antes uma figura demoníaca do demoníaco DEM, provavelmente passará por uma conversão, por uma redenção que se patenteará na adesão de seu novo partido ao governismo. Parece oportuno indagar se Emir Sader receberá Kassab com um caloroso abraço...
Que meus pouquíssimos leitores saibam desculpar minha ironia. Sou demasiado tolo para compreender a importância das alianças na política. Sou suficientemente ingênuo para supor que doações milionárias de empresas e negociatas com cargos e ministérios possam interferir nos rumos da administração pública.
Voltemos ao debate sobre o que é esquerda. A concepção de Sader, como vimos, é ampla o suficiente para reunir, sob a mesma tenda, um neocapitalista como Palocci, pastor de um rebanho de rentistas cada vez mais endinheirados, e um operário como Zé Maria, porta-voz do programa socialista do PSTU. Que tipo de critério pode ser tão acolhedor? Não se sabe.
Os marxistas, por sua vez, têm um critério. O alinhamento político de uma pessoa, de uma organização ou de uma gestão, para nós, deve ser aferido pelos interesses de classe a que se submete. Nesta perspectiva, não é possível imaginar que os amigos dos capitalistas estejam agrupados junto com os amigos dos trabalhadores. Aquele que garante o embolso da mais-valia em favor dos burgueses não é parceiro daquele que enfrenta essa burguesia cotidianamente.
Poderiam atirar-me à face que o critério marxista é muito rigoroso. Afinal, Eike Batista e companhia não poderiam confiar seus investimentos a uma esquerda pouco "acolhedora". Seria melhor continar com Sader, que nos traz a principal tarefa para unificar a esquerda dividida: combater a direita!
Notável a solução encontrada, não? Resta saber, então, quem é esta direita. PSDB e DEM? Com certeza (e agora falo sem qualquer sarcasmo). Mais alguém? Tendo a achar que Emir Sader não ampliaria muito a lista. E o PMDB? Ora, seu trosko sectário, deixe o centrão em paz! Deixe que o companheiro Sarney e seus colegas de mandonismo sigam usufruindo suas volúpias. E o PDT? Ora, seu radicalóide inconsequente, deixe o Paulinho da Força em paz! Deixe que este herói do sindicalismo brasileiro siga aproveitando as maravilhas da colaboração de classe. E o PSB? Ora, seu fruto maldito da esquerdalha, deixe o Skaf em paz! Deixe o empresariado industrial deste país explorar sua mão-de-obra. O que importa é que eles ajudaram a vencer o mal absoluto em que se consubstancia a dobradinha demotucana.
Sim, eis aí o grande horizonte da esquerda: derrotar eleitoralmente dois partidos reacionários. E com que métodos? O PT nos mostra o caminho: as alianças com o capital e com os partidos burgueses. Com que programa? O do capital: Usina Belo Monte, abertura à farra das multinacionais (agora com a Foxconn, este flagelo do operariado chinês), Correios S.A., leilões de poços de petróleo, nova reforma da previdência, e por aí vamos. Graças ao nosso intelectual, somos levados a utilizar os métodos e o programa do capital para derrotar... a direita!
"Mas com Serra, Aécio e demais seria pior"! "Os revolucionários querem o pior para o país!". A reação é sempre o terror. Quando os revolucionários denunciaram a Carta aos Brasileiros e seu compromisso com a sacrossanta dívida pública, a histeria dos petistas não foi menor, como bons tementes ao Deus-mercado que se tornaram. O que resta à esquerda? Apenas o mal menor permanente. Vamos permitir que Dilma despeje o ônus da crise internacional do capital sobre os ombos fatigados (e lesionados por esforço repetitivo) dos trabalhadores, pois seria pior se o governo fosse outro. E ai de quem chiar! O mais leve sussurro contra o governo petista fortalecerá a direita!
Sejamos todos reféns desta doce dominação. Com Dilma, o jugo é leve, o fardo é suave. Ser atacado pela direita é derrota. Ser atacado pela esquerda é miopia de quem critica ou, quando muito, um necessário percalço de jornada. Com Evo Morales, o caso é idêntico. Bombas de gás e balas de borracha sob Evo são falta de diálogo. Sob outro governante, seriam fascismo. O atual governo boliviano não está em guerra contra o povo que o questiona e o desafia. E se estiver, não nos preocupemos: na imaginação de Sader, friendly fire não mata.
Já me estendi demais. Para encerrar, cumpre insistir no método marxista como o melhor meio de se traçar a fronteira entre direita e esquerda: o recorte de classe. A esquerda digna de seu nome e de seu histórico de lutas é aquela jura lealdade à classe trabalhadora, e não a determinados governos. Os governos mudam de orientação o tempo todo: às vezes mais progressistas, às vezes mais conservadores. O que fica é a tutela incondicional dos contratos, da propriedade privada e de todas as condições necessárias à extração de trabalho excedente de uma classe em favor de outra. Mas a classe trabalhadora não muda. Ela até experimenta mudanças na sua compleição epidérmica, na sua morfologia; todavia, sua condição de polo dominado e de sujeito portador de um futuro melhor para a humanidade persiste. Sigamos com ela, contra todos os seus adversários, contra todos que se postarem junto ao capital contra ela. E não nos enganemos: na luta de classes, não se pode servir a dois senhores. Dilma e o PT escolheram um lado. Que lado é esse? Se perguntarmos à Febraban, à CNI e à Fiesp, teremos a resposta. Ou, se preferirmos, podemos deixar que os contracheques de campanha falem por si mesmos.

3 comentários:

  1. Leia-se "arrocho" onde escrevi "arroucho".

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  2. Oi, Pablo!

    Fico feliz em ver que começou um blog. Se você se acostumar com ele, confio que será uma grande contribuição à blogosfera.

    Vejo que você é novato nessa de blogar, hahaha; você não precisa fazer essas correções nos comentários. Dá para editar o texto pelo próprio gerenciamento do blog (aliás, na minha leitura, tem mais dois deslizes de digitação: "obstusos" no lugar de "obtuso" e "continar" no lugar de "continuar"). Uma linha de espaço entre os parágrafos também ajuda na leitura do texto, eu acho.

    Quanto ao conteúdo em si... que situação complicada. No fundo, talvez, seja a questão da legitimidade da realpolitik. Pessoalmente, talvez por conta da minha imaturidade total, eu não consiga ver saída fácil para isso. Portanto, pergunto a você uma questão absolutamente honesta de minha parte:

    Por que a esquerda defendida pelo Emir Sader transigiu? Faltou firmeza no campo subjetivo de seus atores políticos? Eles não tiveram, digamos, coração forte o suficiente?

    Abraço, e continue a blogar!

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  3. Grande Thiago!
    Agradeço pelas dicas, pela leitura e pelo incentivo. De fato, sou novato neste meio. Infelizmente, acho que não terei tempo para escrever com uma boa regularidade.
    Quanto à sua questão, não há nada de imaturo nela. Minha posição neste “vespeiro” que você apresentou é a seguinte: o problema pode até ter começado como subjetivo, mas esta subjetividade se desenvolveu, não por acaso, num contexto de derrocada do bloco soviético. Por mais que este bloco não representasse o socialismo que queremos, fato é que consistia numa alternativa ao capitalismo, uma alternativa visível, palpável, concreta e geograficamente identificável. A partir dos anos 90, a esquerda perdeu esta referência, e por isso a maior parte dela passou a acreditar que o capitalismo seria o último capítulo do livro da história, que uma sociedade para além do mercado e do capital não seria cogitável.
    O PT, como várias outras organizações, foi nesta toada. Partindo da premissa de que a única forma econômica possível é o mercado e que a única forma política possível é a democracia liberal, tratou de se ajustar a ambas. Ao fazê-lo, deixou de ser ontologicamente identificável ao mundo do trabalho (expressão que Mészáros utiliza para se referir à integração do trabalhismo europeu ao status quo neoliberal). Incorporou os métodos, a forma de funcionamento e o programa dos partidos burgueses de tal modo que se pode falar numa ruptura com seu papel dos anos 80, que era o de organização das lutas de massa. O que se vê hoje, diferentemente, é uma máquina institucional-eleitoral inserida de corpo e alma na burocracia do Estado burguês e no mundo do capital (empresas públicas e privadas, fundos de pensão e de investimento etc.).
    Ora, não se pode transitar impunemente por esses espaços. Seria melhor não disputar as eleições então? Em aliança com o capital e com os representantes oficiais da burguesia, certamente não vale a pena, pelo menos para quem defende uma sociedade livre e emancipada. A independência de classe é um bem valioso demais para ser desperdiçado. Se a trocarmos por posições no governo, seremos reduzidos a co-gestores de uma máquina de moer carne humana. Só nos restará manejar a fatia cada vez menor que sobra do orçamento depois do banquete do capital financeiro. Isto é política? Nem o reformismo do início do século XX ousaria dizer que sim. Hilferding não era leninista, mas não se contentaria com tão pouco.
    Por fim, uma instigação: se pensarmos nos “avanços” do governo do PT (excluo aqui os casos da Venezuela e da Bolívia, onde a luta de classes produziu resultados mais generosos), acaso haveria algum deles que se mostra incompatível com o projeto tucano para o país? A única incompatibilidade que vi foi a proposta do PNDH-3. No entanto, o tratamento dado pelo governo mostrou que esta iniciativa era “para movimento social ver”, e não uma diretriz seriamente encampada.
    Abraços!

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