sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Eleições presidenciais: algumas críticas e um prognóstico



A campanha eleitoral das candidaturas principais é uma média aritmética em torno de um senso comum despolitizado, que deseja um "progressismo pasteurizado" ou, o que dá no mesmo (copo meio cheio ou meio vazio), um "conservadorismo light". A regra é recuar à direita num primeiro, para não correr o risco de soar "radical", e esboçar movimentos à esquerda no instante seguinte (ou vice-versa), para não ser associado ao obscurantismo

Marina, Dilma e Aécio têm feito estes dois movimentos, variando a quantidade conforme a conveniência para cada candidato. A base social conservadora de Aécio lhe permite menos margem de manobra, mas ele não pode soar ultrarreacionário - daí defender agora o casamento gay e a criminalização da homofobia (a vexatória decadência do Pastor Everaldo prova que não há espaço para a extrema direita nestas eleições); a base social de Dilma, por sua vez, permite mais margem de manobra, até porque a esquerda governista está disposta a engolir alegremente qualquer atrocidade vinda por parte do governo; porém, a população quer mudanças, quer uma guinada, nem que seja simbólica (como eleger uma figura ainda não testada), e isto o PT não pode oferecer: não falo aqui do programa da esquerda, há muito abandonado por esta organização, mas o simples fato de ser partido da situação pesa contra ele numa conjuntura em que os ecos de junho de 2013 ainda se fazem ouvir, mesmo que mais fracos. E não bastará que Dilma anuncie que mudará a equipe de governo, caso eleita (tirar Mantega etc.). 

Pois bem: neste jogo de oportunismo, os candidatos vão se assemelhando, se aproximando, vão forjando um denominador comum. Quem poderá embolsá-lo? Marina leva vantagem porque não carrega o desgaste acumulado pelos partidos tradicionais e porque conseguiu vender a ideia de que está no limbo. Em parte, isto é verdade: se ela vencer mesmo as eleições, o que teremos mesmo, além de um governo politicamente frágil, é uma síntese: em suas idas e vindas, ela funde os lamentáveis giros à direita do PT (incapaz de reconhecer nos recuos de Marina a história dos seus próprios recuos) e os fraudulentos discursos "progressistas" do PSDB, aparentemente mais "tolerante" nos "costumes". 

É precisamente por isto que o perfil "marinista" arranca votos historicamente ligados ao PT e ao PSDB, o que causa um nó na cabeça dos petistas - e somente na cabeça dos petistas, penso eu, pois os tucanos já devem ter se percebido (muito tardiamente) o que ocorreu. Em sua mediocridade política, o tucanato tem vivido essencialmente do rancor antipetista pela direita, um rancor que se explica por um problema de “não aceitação”. Assim como a Igreja Católica e os católicos da época medieval nunca aceitaram os cristãos novos (judeus convertidos à força ao cristianismo), por mais que estes fizessem as mais profundas juras de amor ao novo credo, o velho conservadorismo brasileiro (que abrange setores das três classes fundamentais da sociedade) nunca reconheceu plenamente o PT, por mais que tal partido tenha se dedicado com todas as suas forças na infame tarefa de servir ao capital. Ao PSDB, portanto, bastava opor-se ao petismo para se manter. Com Marina, esta vida fácil acabou, sobretudo quando a nova candidatura se mostra mais promissora na missão de desbancar a sucessora de Lula.

Por outro lado, o PT pagava ao PSDB na mesma moeda: seu grande trunfo perante a classe trabalhadora, sua suprema virtude, desde a decepção com a expectativa de mudanças profundas, foi o fato de não ser o PSDB. Ou seja, também o petismo alimentou-se do antitucanismo de setores de massas, cuja justificação está nos anos sofríveis de neoliberalismo clássico, old school(hoje temos um neoliberalismo reinventado), de FHC. Vemos agora que também já não basta não ser tucano para dar conta da nova situação política do país.

Em se confirmando a vitória de Marina, quem sairia mais prejudicado? Do ponto de vista eleitoral (a única coisa que importa aos grandes partidos), penso que o PSDB fica em situação pior. Ao que tudo indica, perderá o governo de Minas Gerais, só lhe restando São Paulo, seu bunker histórico. O pífio Aécio só pode ser substituído por Alckmin, a menos que ocorra um milagre e uma figura convincente brote do nada no partido tucano. Mas Alckmin só é forte em São Paulo, e se concorrer mesmo à presidência em 2018, vai se bater com Lula, que já o derrotou. E Lula é favorito porque, apesar do desgaste do PT, o possível fiasco de Dilma só demonstra que o lulismo é maior que o petismo. E se o lulismo é maior que o petismo, então todo o discurso governista em torno da “acumulação de forças”, da “disputa de hegemonia”, da “batalha pela consciência” etc., enfim, toda esta cantilena se mostra infundada. O esforço de décadas para se construir o PT, do ponto de vista político, só serviu para plasmar uma liderança carismática, cujo poder de transferir votos começa a se mostrar finito. Ou seja: “a montanha pariu um rato”. As capitulações dos seguidos governos petistas e a degeneração do partido sequer conseguiram garantir uma estabilidade eleitoral. E quando os votos significam tudo, como significam para os incorrigíveis reformistas e pseudorreformistas, isto não é pouca coisa.

Para quem perceber o ocorrido, a desmoralização será grande. Mas ao petismo mais empedernido, isto é indiferente, pois a eleição de Lula em 2018 apagará qualquer esboço, por parte dos governistas atuais, de repensar o que foi o PT. Olhando em perspectiva, verão como positivo o “intermezzo” Marina, como um intervalo no qual o petismo teria a chance de se revigorar, de ganhar novo fôlego e de reanimar sua imagem. Elegendo-se em 2018, Lula deve reeleger-se em 2022, salvo “acidentes de percurso”: uma nova Marina? Pouco provável. Uma crise econômica? Mais provável (até mesmo para o insuspeito André Singer), embora incerto. Se tudo correr bem para o PT, talvez o lulismo consiga forjar até uma nova Dilma. “A história se repete...”