Nota preliminar: esse texto pressupõe uma interlocução com quem já está ciente de que Temer, o tucanato, Bolsonaro e companhia são inimigos da classe trabalhadora e dos grupos oprimidos, mas ainda alimenta certas esperanças no lulopetismo. É dizer: trata-se de um debate dentro da chamada "esquerda" (problematizaremos esse tema no texto). Favor não nos importunar com a velha cantilena chantagista sobre "fazer o jogo da direita".
Consumado o processo de impeachment do Brasil, o qual foi interpretado pela maioria das organizações que se postulam de esquerda como um "golpe parlamentar", vê-se agora um novo capítulo na história das capitulações dessas forças políticas, sobretudo por parte dos setores ditos socialistas e até mesmo trotskistas. Para esses setores, o episódio do indiciamento do ex-presidente Lula pelo Ministério Público Federal seria um prolongamento do tal golpe parlamentar, cabendo à classe trabalhadora a iminente tarefa de barrar tal iniciativa e de defender, com todas as suas forças, a liberdade de Lula. Afinal, propõe-nos esta linha de raciocínio, a prisão do ex-presidente seria não apenas um ataque contra ele e contra o PT, mas sim contra toda a "esquerda" e contra toda a classe trabalhadora.
Essa defesa exaltada de Lula, na esteira da caracterização de que teria havido um golpe no país, demonstra de maneira cabal que na chamada esquerda, e mesmo dentre os que reivindicam o ideal do socialismo, prevalece uma lógica política inteiramente campista. Nesse diapasão, vale retomar a teoria do campismo e entender sua dinâmica, ou ainda, mais precisamente, o seu poder de atração sobre as organizações que se colocam como "a esquerda".
As leituras campistas da realidade nos dizem, em apertada síntese, que os grandes conflitos sociais ocorrem em torno de dois campos ou polos principais, sendo ambos muito abrangentes: num dos campos, aglutina-se o que há de pior na sociedade, o obscurantismo, a direita hidrofóbica, os liberais mais exaltados, os "entreguistas", as elites que temem e desprezam o povo. Do outro lado, haveria a aglutinação das forças civilizadas, de pessoas e agremiações políticas que, estando mais ou menos à esquerda, seriam muito diferentes do polo maligno adversário. Trata-se, pois, de uma oposição entre um campo conservador ou reacionário, a escória do mundo, de um lado, e um setor progressista, uma esquerda em sentido muito genérico, uma aglomeração pró-cidadania, pró-democracia, pró-civilização.
Partindo dessa caracterização, o campismo traz em si uma utopia, qual seja: a unidade dos progressistas, isto é, do campo não-conservador, em torno de um consenso mínimo democrático, uma vasta plataforma unitária de resistência contra o conservadorismo. É claro que, dentro dessa lógica, há gradações. Varia o alcance da unidade que se propõe a depender do agrupamento político, mas o raciocínio por trás do discurso é sempre o mesmo: a unificação a qualquer custo, a construção do consenso genérico como um fim em si mesmo.
Desgraçadamente, o campismo exerce pressões também sobre as organizações marxistas. E estas, não raro, acabam capitulando, ainda que nos marcos de uma mediação oportunista. Qual seria esta mediação? Algo muito simples: num passe de mágica, coloca-se um sinal de igual entre o suposto campo progressista e os interesses da classe trabalhadora. Assim, de repente, chega-se a um resultado espantoso: uma ofensiva contra um membro desse campo se torna uma ofensiva contra as massas exploradas e oprimidas do país. Fustigar Lula, nessa visão, seria fustigar o conjunto dos trabalhadores, seja simbolicamente, seja como o primeiro passo de uma catástrofe. Eis uma elegante solução para quem deseja ceder às pressões campistas sem arcar com o ônus de se desfazer formalmente do marxismo. Pois o marxismo, com todo o seu linguajar típico, pode muito bem ser usado como uma mera roupagem vistosa para esconder um conteúdo oposto ao que ele verdadeiramente propõe. É precisamente este o sentido do termo "oportunismo".
Numa concepção marxista, a divisão fundamental na sociedade capitalista é a divisão entre as classes sociais, e isto se reflete no âmbito político. Isto significa, portanto, que a verdadeira oposição de interesses está no conflito capital-trabalho. A oposição entre campos que aglutinam partidos e forças sociais de classes diferentes, nessa perspectiva, não se confunde de modo algum com o antagonismo entre a classe dominante e a classe dominada. É por isso que a polarização social existente entre um campo burguês liderado politicamente pelo PT - mas que reúne no seu interior tanto frações burguesas quanto partidos de esquerda, entidades sindicais e movimentos populares -, e um campo burguês mais homogêneo, possui um sentido social completamente distinto da polarização efetiva entre a burguesia e o proletariado. Mais do que isso: na maioria das vezes, esse antagonismo entre os campos assume um papel de aparência ideológica que esconde o conflito essencial.
Para essa mistificação ideológica campista, seguramente concorre a dicotomia direita x esquerda. Uma dicotomia que é muito mal interpretada: até podemos, sem incorrer em campismo, falar em direita e esquerda, mas com a condição de concebermos esse par enquanto variações no espectro político, ou seja, enquanto posições relativas no cotejo entre determinadas políticas ou determinadas organizações. Podemos dizer, assim, que certo agrupamento político está à esquerda ou à direita de outro, mas nunca supor que partidos tão diferentes como PT e PSTU, por exemplo, são parte de um mesmo bloco, apenas variando no seu radicalismo.
De uma vez por todas, é preciso entender que a esquerda, assim como a direita, é uma posição relacional a ser medida na concretude política, e não um campo aconchegante, um confortável consenso mínimo entre forças de natureza semelhante. Esta percepção, no entanto, está fora do alcance dos setores que se postam como a esquerda brasileira - o que, aliás, é bastante compreensível. Com efeito, somente a tradição bolchevique, em sua radicalidade marxista, pode levar a concepção da luta de classes até o seu limite decisivo: a compreensão de que, em função do antagonismo insuperável entre as classes sociais, os revolucionários são tão distintos dos reformistas como a água em relação ao óleo, e que apenas de maneira episódica e casual haverá pontos em comum entre as organizações revolucionárias e reformistas.
Esta afirmação, por certo, soará brutal para os campistas, inclusive para aqueles que tentam transformar o marxismo num campismo enfeitado - um campismo no qual se convenciona mudar o nome dos campos para classes sociais e se diz: "aqui estão as classes, não duvidem de nosso marxismo". No entanto, é necessário dizer com todas as letras: a esquerda não é um princípio cósmico que agrega todo o material humano progressista do mundo em suas diversas gradações. A esquerda, pensada como campo, não é mais do que uma abstração, uma vulgarização extremamente imprecisa (daí seu papel de distorção) dos reais e materiais interesses de classe do proletariado.
Dito isto, há que se entender o seguinte: ainda que, com muita boa vontade, pudéssemos admitir diferenças substanciais entre o PT e seus rivais ocasionais, tais como o PSDB e o PMDB (e não falta boa vontade aos reformistas), tal exercício não seria suficiente para, num critério marxista, identificarmos a luta entre esses partidos como expressão da luta entre o proletariado e a burguesia. Pelo contrário: quanto mais identificamos os vínculos orgânicos desses três partidos e de seus satélites partidários com a classe capitalista, mais se percebe a substancialidade do laço que os une. São todos órgãos funcionantes do mesmo sistema político, todos agentes diretos, enquanto representação parlamentar e governamental, das frações capitalistas existentes no Brasil.
Mas se estão todos unidos na representação do capital, por que lutam tanto entre si? Ora, pelo mesmo motivo que os capitalistas individuais estão unificados, enquanto classe, na sucção da mais-valia do conjunto do proletariado produtivo, mas rivalizam entre si na concorrência pelas maiores fatias do montante do valor excedente coletado. E também pelo mesmo motivo que cada capitalista comunga com os seus irmãos de classe o interesse de superação de um período recessivo, mas briga asperamente com eles para não suportar o pior da crise, ou seja, para que algum outro que não ele seja sacrificado no necessário processo de falências e desvalorizações que caracteriza o mecanismo saneador da acumulação capitalista. Os burgueses, é bom lembrar, estão dispostos a sacrificar os trabalhadores e também os seus pares para salvar a própria pele. Ao fim e ao cabo, a partilha coletiva da mais-valia não anula a competição, antes a pressupõe no funcionamento do mercado.
Pois bem: com o sistema político do capital, dá-se o mesmo. PT, PMDB e PSDB estão irmanados nos seus serviços de gestão estatal capitalista. Todavia, com o esfacelamento do sistema nos moldes em que vinha funcionando nos últimos anos, abre-se uma disputa feroz: cada partido luta para empurrar a maior parte do ônus da crise política para o seu colega. Nessa disputa, o PT tem levado a pior. Como esteve à frente dos negócios de Estado nos últimos 13 anos, tornou-se a vitrine ideal com a mesma facilidade com que colheu o prestígio eleitoral referente ao período de crescimento econômico. E como a crise política é profunda, queimando figuras públicas dos principais partidos, descortina-se a oportunidade de formação de novos quadros políticos para o regime. Eleva-se o grau de autonomia dos agentes da Polícia Federal e do Ministério Público, juntamente com as ambições individuais de suas direções. Daí o peso extraordinário das investigações policiais e das medidas judiciais no cenário político atual.
E ainda há mais: a intensidade da crise política expôs as entranhas do sistema político com rara nitidez. Nunca antes foi tão cristalino que os partidos rivais do regime são engrenagens de um mesmo maquinário, órgãos do mesmo organismo. Nunca foi tão nítido que os grandes nomes dos partidos são apenas a ponta do iceberg num profundo esquema de interpenetração entre a administração pública e os capitais privados. Logo, não se poderia esperar que esse sistema político, para se recompor de tamanho abalo, seria reerguido tão somente com a imolação de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha. Há necessidade de mais nomes para serem imolados no processo de saneamento da democracia burguesa - é dizer, para que ela volte a ser tão corrupta e degenerada como antes, mas com mais estabilidade. Lula é uma figura de peso, e pode cumprir essa função, por mais que, conforme comprovou inequivocamente uma das falas gravadas de Renan Calheiros, o ex-presidente seja um homem de confiança do regime e da burguesia de conjunto.
E por que Lula? Para os campistas, trata-se de uma formidável oportunidade para o campo conservador destruir o campo progressista, ou o conjunto da esquerda, pois se entende que aniquilar Lula e aniquilar todas as organizações ditas de esquerda é a mesma coisa ou quase isso. Para os marxistas, atentos à dinâmica da luta de classes (a qual possui também um aspecto conflitivo interclasse, quer dizer, rivalidades entre as seções da classe dominante), a explicação é diferente. O ex-presidente em questão, nitidamente, é o principal representante político do setor da burguesia que mais se expandiu nos últimos anos, a saber: o empresariado da construção civil. Com Lula, esse setor expandiu sua esfera de acumulação para além mesmo do território nacional, contando com uma política econômica que o privilegiava muito mais do que a tradicional e dependente indústria nativa (com Fiesp e companhia à frente). E com Dilma, um governo de continuidade, houve um favorecimento ainda maior dos capitalistas da construção civil e de grupos ligados ao imperialismo., sobrando menos benefícios para a seção "não prioritária" da burguesia brasileira - note-se que, mesmo nas relações interburguesas, não se pode agradar a todos! Mas como as empreiteiras foram duramente fragilizadas, sobretudo no seu nível de influência política, a partir dos escândalos da Petrobrás, a principal base de sustentação burguesa do lulopetismo desmoronou, sendo que o apoio popular ao governo já havia se perdido desde junho de 2013. Eis o elemento central: num cenário de competição selvagem intercapitalista, quem perde é sempre o lado mais frágil. No último período, o lado mais frágil, mais desgastado em suas bases de sustentação, é o PT, e é por isso (e não pelo ódio de uma classe capitalista que lucrou enormemente nos últimos 13 anos) que a maior parte do fardo da crise política recai sobre as costas desse partido.
Os campistas lamentam profundamente. Os marxistas, para serem coerentes com a lógica de classe, devem lamentar também? Seria preferível, por certo, que o ônus do desarranjo político fosse distribuído mais rapida e "democraticamente" entre todos os partidos da ordem, entre todos os membros efetivos do sistema político. Contudo, na falta de uma dinâmica isonômica e objetivamente impossível (já que não seria possível imaginar igualdade de poderes entre as frações burguesas), não se pode dar suporte ao partido burguês que definha primeiro. Seria como dizer: "todos vocês, partidos burgueses, merecem cair, mas como não tiveram a decência de desmoronar ao mesmo tempo, como não tombaram juntos numa cena coreográfica, não posso aceitar que apenas um de vocês seja sacrificado".
No entanto, nossos campistas não chegam sequer a considerar o PT como um partido burguês, ou ao menos como um partido invariavelmente a serviço do capital. Preferem enxergá-lo como uma força política acima das classes sociais, como um grupo de indivíduos bem intencionados, ainda que acovardados, como uma soma de pragmáticos que, por vezes, peca pelo excesso de "zelo", mas que faz a política "possível". Preferem ver no PT o partido do "aquilo que temos para hoje", e ai daqueles que, sectários e ultraesquerdistas, propuserem um caminho alternativo de ruptura com o capital.
Para justificar sua posição, os campistas tendem a abstrair completamente as relações do PT com a burguesia, relações estas que são generosamente concebidas como casuais ou até mesmo inevitáveis, sob pena de ostracismo e total insignificância política. E ao fazerem esta abstração, resgatam o fantasma do PT dos anos 1980 e, agora, do Lula sindicalista, líder operário. E o fazem para dizer: "não é o Lula amigo dos empresários que está sendo perseguido, mas sim o grevista combativo do passado, o filho do povo, o homem simples saído da pobreza que desafiou o abismo entre a elite e os mais pobres".
Cumpre, porém, alertar os adeptos práticos ou teóricos do campismo que o significado social da figura de Lula não é aquele que está presente nas mentes dos setores mais direitistas da burguesia ou da chamada "classe média". Se o imaginário dessas pessoas fosse uma força material, quem sabe o ex-presidente tivesse se enfrentado efetivamente com a burguesia em algum momento, quem sabe tivesse algum traço do comunismo que tanto se tenta lhe imputar. Não é assim que funciona: o significado social de Lula é dado pelo papel objetivo que ele cumpriu e cumpre na luta de classes, e não pelas opiniões que certas camadas da população desenvolvem sobre ele - sobretudo quando se trata de camadas numericamente reduzidas, e sobretudo quando tais opiniões são tão desprovidas de fundamento racional. O mesmo vale para o PT: as teorias da conspiração sobre o partido, dignas de filmes de ficção, remetem a um simbolismo delirante que está longe de balizar tanto a política das frações burguesas quanto o sentimento político das massas. Basta um pouco de sobriedade na análise para se constatar que nem a grande burguesia enxerga alguma sombre de "perigo vermelho" no PT e nem as massas proletárias vêem no partido algum tipo de imagem refletida da sua condição social. Esses tempos já se foram.
Nesse sentido - e aqui fazemos um chamado aos campistas egressos do marxismo para que façam a viagem de retorno, nem que seja por um breve instante -, interpretar os ataques de direita ao PT como ataques a todos os trabalhadores pelo fato de Lula e seu partido serem, nessa concepção, um "símbolo" da "esquerda", como se isso implicasse uma ameaça iminente até mesmo contra os socialistas, é tomar a representação distorcida do real pelo próprio real. É imaginar que a salvação dos marxistas depende da preservação do PT, que é justamente um grande obstáculo ideológico ao desenvolvimento de uma autêntica consciência de classe. É almejar uma entrega a partidos dessa estirpe de um direito de hegemonia por tempo indeterminado, como se seu papel fosse reservar o assento do poder até que os revolucionários tenham condições de se sentar sobre ele. Não se poderia, com efeito, imaginar nada mais despropositado.
Que não haja dúvidas: Lula significa, do ponto de vista da luta de classes, o projeto da conciliação, o desarme do proletariado, a esperança de que o capitalismo, se bem administrado, poderia reservar um lugar ao sol para todos. Lula significa o abandono da estratégia revolucionária em favor da criação de laços orgânicos com o empresariado, assim como a adesão aos métodos dos empresários e dos partidos tradicionais. Os marxistas, portanto, não podem reivindicar para si essa figura, não podem tomá-lo como "um dos nossos", não podem preterir seu presente burguês em favor do seu passado operário.
Sem sequer desconfiar dessa imperiosa necessidade, os campistas fazem da defesa de Lula uma tarefa inadiável, e hoje se vê, da maneira grotesca, agrupamentos políticos e indivíduos que, invocando uma tradição marxista e revolucionária, deixam-se tragar por esse movimento de capitulação. Nisto se percebe, com nitidez, a mecânica objetiva do campismo, ou seja, seu sentido histórico real: não apenas como um método de raciocínio político, mas ainda como uma perigosíssima tendência a ser combatida.
Podemos pensar o campismo como um vetor integrante da ideologia reformista que incide sobre todas as organizações e indivíduos situados mais à esquerda, e que os pressiona para o oportunismo, que os seduz com um discurso que dissolve as diferenças políticas e programáticas em nome de uma mítica unidade da esquerda, dos democratas, dos progressistas ou do que for. Para os marxistas, que são sempre minoritários em condições de normalidade, o canto de sereia do campismo aparece como um atalho para as massas, como uma unificação volumosa com uma série de siglas, supondo-se que a somatória dos braços faça o barco se mover de maneira inabalável. Todavia, de que adianta essa somatória se os revolucionários remam numa direção e os reformistas, sempre majoritários em condições de normalidade, remam na direção oposta? Ora, os campistas não se indagam sobre isso, até porque tal questionamento, na sua própria formulação, fede a sectarismo e autoproclamação (que horror!). Parece-lhes muito mais agradável e realizador a circunstância de que estejam todos, apesar das diferenças, na mesma embarcação.
Em sua crença, ainda que inconsciente em certos aspectos, na existência de um núcleo essencial de "esquerda" comungado pelos reformistas, pelos centristas, pelos revolucionários e talvez por todos que não sejam fascistas ou protofascistas, os adeptos do campismo são constantemente pressionados para se apegarem ao suposto núcleo, deixando-se de lado as caprichosas e "puristas" fronteiras de classe. Prisioneiros dessa estreita visão política, orbitam em torno de uma imaginária unidade da esquerda, acalentando o senso comum de que "a esquerda só se une na prisão" - como se, não raro, uma parte dessa "esquerda" não fosse diretamente responsável pelo encarceramento da outra, conforme iniciativas como a lei antiterrorismo.
Evidentemente, há desigualdades no movimento de capitulação campista. Afinal, a órbita das forças políticas campistas ao redor do denominador comum admitido como "esquerda" - e não é preciso ser um gênio da matemática para se saber que um denominador comum se caracteriza pelo seu valor rebaixado, pelo mínimo irredutível - não perfaz um círculo perfeito; com efeito, ela está mais para uma elipse. Às vezes, os campistas se arriscam, se afastam do mínimo irredutível, erguem os punhos - é o caso dos grupos da frente popular de combate. Entretanto, quando cai por terra o governo de frente popular, a plêiade campista se reaproxima do seu centro emanador, refugiando-se na concepção "minimalista" de esquerda, suspirando nostalgicamente pelos tempos cômodos em que o reformismo (ou pseudorreformismo) no governo parecia inabalável, dando ensejo a uma militância rotineira de exigência e denúncia.
Oscilando entre posicionamentos mais audaciosos e mais conciliatórios, o campismo conspira contra a estratégia de construção de uma direção revolucionária para o proletariado. Pelo menos para os trotskistas, a quem esta questão é muito cara, a política campista deveria ser um crime. No caso recente envolvendo Lula, vê-se o quanto desse método ainda se faz presente nas elaborações e posições de diversas correntes do movimento socialista. Terrível vício, e por certo um indicador de que muita gente não aprendeu nada com a malfada experiência do PT, prontificando-se para trilhar o mesmo caminho e vociferar contra quem apontar a insensatez dessa escolha. Felizmente, o trabalhador comum, apesar de todo o peso da ideologia cotidiana, está menos inclinado ao autoengano convicto. Aliás, arriscamos dizer que ele não moverá um dedo sequer para salvar Lula: ainda que "instintivamente", ele sabe que já não há no ex-presidente nada com que possa se identificar - e é justamente esta janela de oportunidade que os marxistas devem aproveitar.